“O presidente do STF (Supremo Tribunal Federal), Cezar Peluso, considerou inconstitucional a Lei da Ficha Limpa, o que provocou um racha entre os ministros e levou um deles a pedir a interrupção do julgamento, que será retomado hoje.
O tribunal começou ontem a julgar um recurso do candidato ao governo do Distrito Federal Joaquim Roriz (PSC), barrado pelo TSE (Tribunal Superior Eleitoral) com base na nova lei.
Ao final do voto do relator, Carlos Ayres Britto, favorável à aplicação da lei nestas eleições, o presidente do Supremo pediu a palavra.
‘Temos aqui um caso de arremedo de lei’, disse Peluso. Ele afirmou que o texto da Lei da Ficha Limpa foi modificado no Senado pelo senador Francisco Dornelles (PP-RJ), que alterou, por meio de uma emenda, o tempo verbal de diversos artigos do então projeto de lei complementar.
Peluso argumentou que tal emenda modificou o mérito do projeto e, por conta disso, o texto deveria voltar para análise da Câmara.
Como isso não ocorreu, o presidente do STF argumentou que houve uma inconstitucionalidade. Segundo ele, a tramitação do projeto feriu o processo legislativo.
Com as críticas, Peluso esquentou o clima no STF. Diversos ministros argumentaram que a proposta dele não havia sido pedida pelos advogados de Roriz nem discutida pelo TSE. Ou seja, que ele trouxe uma nova questão para o julgamento.
‘Não podemos agir de ofício’, afirmou Ricardo Lewandowski, que preside o TSE. ‘A proposta parece um salto triplo carpado hermenêutico’, ironizou Carlos Ayres Britto, provocando risos entre os próprios colegas.
‘Isso me parece muito interessante do ponto de vista publicitário, mas não do jurídico’, respondeu Peluso.
José Antonio Dias Toffoli, então, pediu vista. A avaliação de ministros ouvidos pela Folhaé que a interrupção evitou que fosse gerada uma briga entre eles.Os ministros foram para o julgamento divididos sobre se a Lei da Ficha Limpa vale ou não para este ano.
A lei surgiu de uma iniciativa da sociedade civil e foi promulgada pelo presidente Lula em junho, após aprovação no Congresso. Sua validade para estas eleições, inclusive com a possibilidade de atingir atos passados, foi aprovada pelo TSE”.
Já vimos o problema da inconstitucionalidade dessa lei aqui. Hoje falaremos de um outro problema na matéria: leis de iniciativa popular.
Diz nossa Constituição que é possível que os cidadãos proponham, de forma coletiva, um projeto de lei. É a chamada iniciativa popular. Para que isso ocorra, mais de 1% do eleitorado nacional precisa apoiar tal pedido, e esse eleitorado nacional precisa estar espalhado por, no mínimo 5 unidades federativas, e em cada uma dessas unidades federativas eles devem representar, no mínimo, 0,3% do eleitorado daquela unidade federativa. Também já falamos disso aqui.
Mas o erro da matéria acima é dizer que a lei nasceu de uma iniciativa popular. Realmente houve uma tentativa de iniciativa popular sobre esse assunto que coletou mais de 1.6 milhões de assinatura. O problema é que alguém no Congresso teria que conferir a validade de cada uma dessas assinaturas para que o projeto de lei fosse válido e pudesse tramitar. Ninguém o fez. Assim como nunca o fizemos em qualquer outro caso.
O que tem sido feito sempre nesses casos de iniciativa popular é algum parlamentar ‘adotar’ a idéia e apresentar um projeto de lei idêntico ou muito parecido em seu próprio nome, o que ele pode fazer já que ele é um congressista e sua função é justamente essa: legislar. Foi o que foi feito neste caso também. A iniciativa popular foi adotada por um parlamentar por meio do projeto de lei complementar 518/09, que depois foi anexada a um outro projeto que já existia desde 1993, proposto pelo presidente da República na época, e estava em tramitação desde então (Projeto de lei Complementar 168/93). Foi aquele projeto que acabou servindo como base para um outro projeto de lei complementar (58/10) que amalgamou todas as propostas a respeito do assunto que tramitavam no Congresso, e que foi o que, votado e aprovado, se tornou lei, e acabou sendo modificado depois de votado, o que tem gerado toda a discussão a respeito de sua constitucionalidade.